Lugar Nenhum, de Neil Gaiman

08:10




Faz um bom tempo desde que eu tive meu primeiro contato com a escrita de Neil Gaiman. Lembro de ter lido O Oceano no Fim do Caminho em 2013 e de ter gostado muito, no entanto, a história já não me é tão viva na cabeça, então, se tratando do autor, resolvi começar do zero. Sendo assim, comecei a acompanhar o All About Gaiman, projeto de leitura no youtube, além de já conhecer um bocado do autor por causa da Raquel, do Pipoca Musical.
Eu sabia que havia algo de especial na escrita do autor, mas eu não podia imaginar que fosse ser algo tão envolvente e mágico.

Em Lugar Nenhum nós somos apresentados a Richard Mayhew, um rapaz normal, cidadão de Londres, com uma vida sem graça até demais, e que resume seus dias ao pequeno escritório no qual trabalha e em infindáveis e cansativas visitas a museus com sua noiva, que aliás, é extremamente chata. Em uma das saídas do casal, esta para acompanhar sua futura esposa em um jantar no qual o objetivo principal é puxar o saco do chefe dela, Richard encontra uma garota ferida na rua e decide ajudá-la - mesmo que isso signifique uma crise de nervos de sua noiva, o que resultaria no fim do noivado dos dois. Richard, sozinho, decide ajudar a menina e a leva para o seu apartamento, providenciando tudo o que fosse necessário para que ela se recuperasse. O que Richard não esperava era que esse simples ato de bondade o fosse lançar em uma realidade bem diferente da qual ele estava acostumado.
A menina, que se chama Door, conta à Richard a razão dos seus problemas: Ela veio de uma tal Londres de Baixo e está fugindo da dupla sr. Croup e sr. Vandemar, mercenários que mataram a sua familia e agora a perseguem. E para ajudá-la, ele precisair de encontro a um tal de Marquês De Carabás e passar uma mensagem urgente para ele. Richard se vê preso nesse novo mundo, não tendo opção que não acompanhar a trupe formada por Door, De Carabás, e Hunter, a recém contratada guarda costas, em uma jornada pela Londres de baixo, em busca de respostas sobre o assassinato da família da menina e, consequentemente, quem a procura agora.
A chamada Londres de Baixo é uma cidade em meio aos esgotos e às estações de metrô, repleta de ratos, adoradores de ratos, humanos nada convencionais, feiticeiros, guerreiros, diferentes tribos e reinados, e com uma organização social nada comparada com a Londres de Cima
Porém, depois do encontro e da despedida de Door, o mundo muda para Richard - Ou melhor: Richard some para o mundo.- Os táxis não param mais para ele, ninguém o nota, nem mesmo sua ex-noiva ou o pessoal do trabalho. À beira do desespero, o rapaz vai atrás de Door e do Marquês para descobrir o que diabos está acontecendo, e suas descobertas a respeito da situação trazem à tona uma Londres diferente da que ele viveu durante os últimos anos.

Como eu disse, Lugar Nenhum foi o meu primeiro considerável contato com Neil Gaiman, e não poderia ter sido melhor. Eu fiquei tão absorto nas páginas desse livro que, ou eu não percebi o tempo passando, ou ele passou rápido demais. Das duas, uma. Minha mente orquestrou uma cena que se monta toda vez que eu paro para pensar na escrita desse livro: É como se Gaiman fosse um mago, apenas ordenando que as frases se montassem de um jeito que ficasse o mais cativante possível, desde a escolha de palavras , - Nesse caso, um salve para o trabalho de Fábio Barreto, tradutor do livro. - ao jeito com que o autor as usa no livro.                                                                  
A escrita seria formal, se não fosse cômica, como observar uma pessoa antiquada demais fazendo o possível para passar a sua importante mensagem, com aquela extravagância caricata, mas excepcionalmente agradável. Como disse Gabriel Bá, em um texto introdutório ao livro: [...] o bom humor característico de quem está tratando de algo extremamente sério.

Os personagens são muito bem construídos e o modo com que o autor os apresenta ao leitor faz com que eles se tornem inesquecíveis, seja pelo uso do bom humor ao introduzi-los na trama, ou das personalidades marcantes de cada um deles. Esta última, sem dúvida, é uma das razões pelas quais Lugar Nenhum se faz um livro tão fascinante. Cada cenário pelos quais os personagens passam, causam aquela sensação boa, causada, creio eu, pela possibilidade. São lugares livres de regras, em que os limites estão exclusivamente na imaginação do autor, e isso, por mais clichê e infantil que soe, ainda é capaz de fascinar leitores de qualquer gênero. Com um senso de humor leve e, ao mesmo tempo, ácido, Neil Gaiman desenvolve um mundo que se abre quase que com floreios aos olhos do leitor e abusa da sua criatividade, característica de todas as suas obras, de acordo com os mais conhecedores.
Lugar Nenhum é uma jornada em busca de respostas, mas que conquista pelos eventos que incidem em qualquer que seja a página, e não necessariamente no fim. Além disso, o autor deixa implícita uma leve crítica social, um questionamento sobre como a sociedade lida com aqueles que, diferente de nós, não estão em evidência, não têm mais quem os note ou lhes dê apoio e, mais que provável, habitam o submundo social. Mestre que é, Neil Gaiman não explicitou sua crítica, apenas a deixou como um ponto incômodo, com o qual os leitores, e até mesmo o próprio autor, vão ser obrigados a conviver após a leitura da obra.
E agora, para não falar que não falei da edição: A editora Intrínseca vem mandando muito bem nessas publicações recentes do autor. Falo isso porquê tenho Deuses Americanos em mãos, e está igualmente sensacional. O conteúdo do livro faz com que essa edição seja a preferida do autor - como é dito na capa -, e isso porquê o texto passou por revisões, perdeu e ganhou palavras, para que chegasse à esse resultado. Além disso, o livro contém um conto chamado Como o Marquês Recuperou o Seu Casaco que conta uma história paralela à um certo momento de Lugar Nenhum, o que supriu, mesmo que por poucas páginas, a saudade precoce que eu estava sentindo, e um prólogo alternativo ao usado no livro. Todo o papel de capa é meio áspero e o trabalho na capa é fantástico, ambas as qualidades se repetem nos outros volumes lançados pela Intrínseca: Deuses Americanos e Filhos de Anansi.
Concluindo, fico na expectativa de voltar para a Londres de Baixo, mesmo que para isso eu tenha que reler Lugar Nenhum - aliás, o faria sem pestanejar -. Neil Gaiman tem tudo para se tornar um dos meus autores preferidos, o que não me deixa opções a não ser me aventurar a fundo nos outros frutos da criatividade do autor. Que o futuro me presenteie com mais oportunidades de conhecer, e falar sobre, Neil Gaiman.

Todas as ilustrações presentes na postagem são do Chris Ridell, ilustrador que já trabalhou com Gaiman em vários outros projetos. O livro contendo as ilustrações é uma edição inglesa que vocês podem adquirir no Book Depository. Quanto à edição brasileira, dá um pulo no site da Intrínseca para saber onde comprar. Se gostou do livro, o adicione no Skoob!

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2 comentários

  1. Poxa!! Está vendo só? É de resenhistas assim que precisamos! gente que dá para sentir que ama literatura e tudo que esta trás consigo! Parabéns. Adorei!! Igualmente fiz uma resenha sobre Lugar nenhum em meu blog! Mas a sua está fantástica!!
    https://marcadorexpresso.blogspot.com.br/2016/09/lugar-nenhum-de-neil-gaiman.html

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    1. Caramba, que legal receber comentários assim <3 Fico feliz demais que você tenha curtido. Eu adoro o seu blog, e espero continuar recebendo visitas suas por aqui :D

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O Adoráveis Dias de Cão é um blog sobre livros, filmes, séries e afins. Criado por Leo, que há uns anos faz uso de altas doses de ficção e fantasia e entende que, não só de realidade viverá o homem.