As Fontes do Paraíso, de Arthur C. Clarke
20:08Percebi que haveria aqui no blog um combo suave de livros do Arthur C. Clarke quando na manhã seguinte à noite em que eu li as últimas páginas de O Fim da Infância, já havia pegado pra ler As Fontes do Paraíso.
Ganhador dos prêmios Hugo e Nebula, os dois maiores se tratando de literatura de ficção científica, As Fontes do Paraíso (1979) é considerado por muitos críticos, um dos melhores romances de Arthur C. Clarke. A publicação no Brasil está por conta da Editora Aleph, que reuniu em uma espécie de coleção, três dos melhores livros do autor. Para adquirir a coleção de uma vez só, eu comprei esse pack intitulado INDISPENSÁVEIS: ARTHUR C. CLARKE.
ENTRE A MONTANHA E AS ESTRELAS
Há dois milênios, Kalidasa desafiou sua família e sua religião para empreender uma verdadeira maravilha arquitetônica: a construção de um suntuoso palácio no topo de uma montanha, cercado de jardins e fontes incomparáveis, que o alçaria aos céus e o igualaria aos deuses.
Dois mil anos depois, o ambicioso engenheiro Vannegar Morgan, que já unira dois continentes com a Ponte Gibraltar, se propõe a construir uma nova ponte, desta vez ligando a Terra ao espaço sideral. O que ele não imagina, porém, é que em seu caminho está um monastério budista, localizado sobre a única montanha na qual seu projeto poderia ser construído.
Em paralelo, a humanidade detecta um estranho sinal de rádio, de origem não humana, vindo de uma das regiões mais improváveis do espaço. Pela primeira vez na história, o planeta Terra é contactado por uma raça alienígena que, ao que tudo indica, está cada vez mais próxima.
"DO PARAÍSO À TAPROBANA SÃO QUARENTA LÉGUAS; DALI SE PODE OUVIR O SOM DAS FONTES DO PARAÍSO"Relato do Frei Marignolli (1335 d.C)
As Fontes do Paraíso é um romance que transita por varias épocas diferentes, e confesso que demorei algumas páginas para pegar um bom ritmo de leitura e acompanhar a linha atemporal proposta por Arthur C. Clarke.
O foco da história é a Taprobana, atual Sri Lanka. Logo nas primeiras paginas, cabe à Kalidasa, um rei que viveu há dois mil anos atrás, introduzir o leitor no cenário. Kalidasa é um rei ambicioso: Matou o próprio pai e tomou o trono que por direito, era de seu irmão. Sabendo que seu castigo por tal seria a morte, ele foge. Em um lugar chamado Yakkagala, Kalidasa ergue seu novo império e decide construir para si, um templo que transcende os limites do considerado possível para a época.
O foco da história é a Taprobana, atual Sri Lanka. Logo nas primeiras paginas, cabe à Kalidasa, um rei que viveu há dois mil anos atrás, introduzir o leitor no cenário. Kalidasa é um rei ambicioso: Matou o próprio pai e tomou o trono que por direito, era de seu irmão. Sabendo que seu castigo por tal seria a morte, ele foge. Em um lugar chamado Yakkagala, Kalidasa ergue seu novo império e decide construir para si, um templo que transcende os limites do considerado possível para a época.
A fortaleza de pedra erguida por Kalidasa em Yakkagala, é na verdade, Sigiriya (Rocha do Leão). Segundo Clarke, a realidade da fortaleza é tão espantosa, que ele não precisou alterá-la em nada. Suas unicas alterações relacionadas a tal, foram cronológicas.
No livro, em diversas vezes há menção a essas pinturas, localizadas na fortaleza de pedra. Eu não fazia ideia de que elas realmente existiam até começar a buscar as referencias do autor.
Esse império é o legado de Kalidasa, é também a conexão entre o passado e o século XXII, quando a história se desenvolve.
Vannegar Morgan, um engenheiro enormemente prestigiado e responsável por grandes feitos, decide dar inicio à uma mais nova empreitada: Construir uma ponte que ligue a terra ao espaço. Para tal, Morgan precisaria de uma localização muito bem definida devido a rotação e ao fato da estação espacial ser geoestacionária. A necessidade de um ponto equatorial, com montanhas altas o suficientes e toda uma gama de fatores geográficos o levou especificamente à Taprobana, justamente onde se encontra um monastério budista extremamente conservado e de grande valor histórico e religioso.
A Montanha Sagrada existe e é chamada Sri Pada (Pico de Adão) Realmente tem um templo em seu topo onde em uma lage de pedra há uma depressão que é tida como a pegada de Buda.
Morgan, a primeiros julgamentos, não parece passar de um engenheiro ambicioso, mas rapidamente percebe-se que não é mal intencionado, e busca sempre um equilíbrio entre suas ambições e os prejuízos que vez ou outra podem ser causados por ela.
Mesmo com tamanho impasse, ele vai em frente em busca de alguns contatos de forma que consiga por em prática a sua tão sonhada linha ferroviária vertical. Um desses contatos é Rajasinghe, um embaixador muito bem aposentado, atual residente da Taprobana e com uma casa que tem como quintal as fantásticas fontes construídas por Kalidasa milênios atrás. Raja, como é chamado, é responsável por inserir o engenheiro no ambiente que ele tanto deseja.
Mesmo com tamanho impasse, ele vai em frente em busca de alguns contatos de forma que consiga por em prática a sua tão sonhada linha ferroviária vertical. Um desses contatos é Rajasinghe, um embaixador muito bem aposentado, atual residente da Taprobana e com uma casa que tem como quintal as fantásticas fontes construídas por Kalidasa milênios atrás. Raja, como é chamado, é responsável por inserir o engenheiro no ambiente que ele tanto deseja.
Representação do elevador espacial.
Os ventos sopram a favor de Vannegar Morgan: Após uma série de eventos inesperados, os monges permitem a construção do elevador espacial. Finalmente a idéia pode tornar algo palpável, mas novos obstáculos aparecem tão logo quanto um velho é superado. O livro transita ainda entre passado e presente, traçando paralelos relacionados a história e a ambição dos protagonistas, que são imprescindíveis para um melhor entendimento a respeito do lugar em que a estação precisa ser implantada. Ver motivações tão parecidas, como os de Morgan e Kalidasa, serve para nos mostrar até onde a mente humana vai quando segue ideias ambiciosas, independentemente da época em questão. Distinto de toda a trama desenvolvida ao redor do elevador espacial, o mundo lida com a descoberta de uma nova forma de vida, que inicialmente nada faz além de literalmente marcar presença através de sinais de rádio. Essa raça, inicialmente parece estar buscando informações a respeito dos seres humanos e se comunica de tempos em tempos sem deixar pistas de quem são ou o que buscam. O modo como Morgan lida com seus impasses é uma ignição para diversos pontos do livro. Após a construção do elevador ter sido feita, um problema com uma cápsula de transporte deixa uma equipe de cientistas que trabalhavam na torre, presos a 600 km da terra e com um estoque limitadíssimo de comida e oxigênio. Cabe a Morgan a missão de arriscar-se para salvá-los. A despeito das demais partes do livro que prendem o leitor pelos mais diversos motivos, essa parte em especial rendeu momentos de tensão espetaculares.
Toda a trama de As Fontes do Paraíso é muito bem desenvolvida. As partes mais lentas do livro são supridas com a apresentação de idéias fascinantes que nem me deixaram sentir falta de cenas mais aceleradas. A presença de alguns termos técnicos em nada atrapalham a leitura, e em geral, os trechos a respeito das invenções são bem explicativos. O modo como as historias de diferentes épocas conversam entre si, permitem ao leitor perceber que questões de milênios podem perdurar até o século XXII.
Sendo impossível para mim, como leitor, não relacionar os livros lidos do autor, notei nesse livro, um lado mais pessoal do ser humano: se em O Fim da Infância, lidamos com a humanidade como um todo, em As Fontes do Paraíso, temos uma visão mais singular do homem, isto é, de seus impulsos, da sua capacidade de lidar com situações extremas, do poder por si só e também da grandiosidade e dos limites dos feitos do ser humano quando se tem poder.
Nossas ambições sempre fazem com que nós passemos por cima de alguns obstáculos, afinal de contas, isso é natural para qualquer ser vivo. Entretanto, suas ambições são grandes o suficiente a ponto de "ultrapassar obstáculos" significar interferir em toda uma ordem natural das coisas? Questões como essas me fizeram chegar ao final de cada livro do Arthur C. Clarke com a cabeça totalmente bagunçada e pronta pra ser reorganizada (ou não). Posso falar também que me diverti enquanto lia esse livro, em nenhum momento a historia ficou maçante. Eu não sei se a carga filosófica nos livros de Arthur C. Clarke é uma constante, talvez seja, mas é notável que em O Fim da Infância o autor usa mais desse artifício. Em contrapartida, As Fontes do Paraíso supre essa filosofia ligeiramente mais rasa por ser um livro divertido e com uma ideia muito interessante.
Sendo impossível para mim, como leitor, não relacionar os livros lidos do autor, notei nesse livro, um lado mais pessoal do ser humano: se em O Fim da Infância, lidamos com a humanidade como um todo, em As Fontes do Paraíso, temos uma visão mais singular do homem, isto é, de seus impulsos, da sua capacidade de lidar com situações extremas, do poder por si só e também da grandiosidade e dos limites dos feitos do ser humano quando se tem poder.
Nossas ambições sempre fazem com que nós passemos por cima de alguns obstáculos, afinal de contas, isso é natural para qualquer ser vivo. Entretanto, suas ambições são grandes o suficiente a ponto de "ultrapassar obstáculos" significar interferir em toda uma ordem natural das coisas? Questões como essas me fizeram chegar ao final de cada livro do Arthur C. Clarke com a cabeça totalmente bagunçada e pronta pra ser reorganizada (ou não). Posso falar também que me diverti enquanto lia esse livro, em nenhum momento a historia ficou maçante. Eu não sei se a carga filosófica nos livros de Arthur C. Clarke é uma constante, talvez seja, mas é notável que em O Fim da Infância o autor usa mais desse artifício. Em contrapartida, As Fontes do Paraíso supre essa filosofia ligeiramente mais rasa por ser um livro divertido e com uma ideia muito interessante.
No posfácio do livro, Arthur C. Clarke explica algumas referencias que o livro usou, tais como a localização e o elevador espacial que inclusive é uma ideia real, originada em em 1895 por um cientista russo, Konstantin Tsiolkovsky, e veio sendo aperfeiçoada por várias mentes diferentes ao longo dos anos. Clarke fala brevemente de todos esses aperfeiçoamentos, baseando-se nos conceitos apresentados por ele no romance.
Conceito mais recente do elevador espacial.
Sem duvidas uma leitura que valeu cada segundo imerso por entre as páginas. Algo que eu já disse na resenha anterior, e agora, mesmo com apenas dois livros lidos, reitero: Arthur C. Clarke foi mestre em tudo o que fez, e olha que ele não fez pouco.
2 comentários
Excelente resenha.
ResponderExcluirObrigado, Martin! Fico feliz que você tenha gostado :D Fica a vontade pra 'passear' mais pelo blog e comentar sempre que quiser!
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