Confissões do Crematório, de Caitlin Doughty
19:02"Somos animais glorificados que comem, cagam e estão fadados a morrer. Não somos nada mais do que futuros cadáveres."
Quando foi a última vez que você parou pra pensar na morte da maneira mais crua? Talvez, eu devesse estar perguntando se você já o fez, para depois perguntar quando. Com pensar na morte de maneira mais crua eu quero dizer: deixando de lado todos os pensamentos pré-dispostos em sua cabeça, com os quais você cresceu e são, para você, nada mais que a verdade. Você pode até responder que sim, já pensou sobre o assunto e entende o significado do ponto final da vida. Eu responderia o mesmo, se questionado antes de ler Confissões do Crematório, mas a verdade é que, salvo alguns casos raros, nós não vimos nem a ponta do iceberg da morte.O livro é um dos mais novos lançamentos da Darkside Books, e como eu vou mostrar ao longo da postagem, vei numa edição linda de morrer. Entendeu o trocadilho? Pois é, bem ruim.
"Uma garota nunca esquece o primeiro cadáver que barbeia. É o único evento na vida dela mais constrangedor do que o primeiro beijo ou a perda da virgindade."
Conheça Caitlin Doughty, uma operadora de crematórios recém contratada.
Caitlin tem formação acadêmica em história, mas depois de ter intercalado as matérias do seu curso com pesquisas extras que desvendam a morte nas mais diversas culturas e falam de como as tribos indígenas brasileiras e monges tibetanos lidavam com os rituais funerários, Caitlin percebeu o seu negocio era outro: Ela queria trabalhar com a morte.
Um emprego na Westwind Cremation & Burial, uma agência de funerária em São Francisco, foi o que Caitlin conseguiu, e com um ano trabalhando para essa agência, a autora reuniu experiências incríveis, se me permitem colocar desse jeito, e as conta, narrando o seu cotidiano na Westwind e revelando tudo o que pode acontecer numa funerária.
Caitlin conta de maneira engraçada, e nada cuidadosa, eventos que aos olhos de outras pessoas seriam tabus, assuntos dos quais não se deve falar. Como o dia em que um forno pré-aquecido fez com que uma mulher começasse a derreter antes mesmo de o processo de cremação começar, deixando o chão ensopado de gordura, ou de como é impossível se livrar da fina poeira de cinzas que grudavam em cada canto do seu rosto, unhas e cabelos.
Tais assuntos podem ser chocantes para s nossa cultura e há quem possa dizer que são desrespeitosos, que não é certo expor eventos como esses. No entanto, isso é tratado pela autora em cada capítulo, creio eu que sem exceção. Acontece que somando esse ano trabalhando para a Westwind com os anos se afundando em pesquisas até chegar no patamar que hoje está, Caitlin se viu extremamente insatisfeita com a forma que a nossa cultura lida com a morte, e é fácil entender a insatisfação dela.
As pessoas tendem a fugir do assunto, pagam caro por maquiagens que deixam os defuntos com aparência de vivos, somente para permanecerem em um estado de negação. A morte para a cultura ocidental em geral é um tabu e a autora trabalha para quebrar esse estigma, trazendo uma nova forma de encarar a mortalidade, entendendo-a e aceitando-a como inevitável.
Quando que, para a sociedade como um todo, a morte é um assunto do qual não devemos falar, para a industria funerária não passa de comércio. A autora fala da impessoalidade com que a tanto a família quanto algumas agencias tratam a situação. Há um caso em especial que é de partir o coração: Pais requisitaram os serviços da funerária, o que seguiu-se da seguinte maneira: Pedido encaminhado por e-mail. Funerária busca o corpo de uma garotinha que havia acabado de morrer no hospital. Cremação é feita e as cinzas são enviadas aos pais pelos correios. Os pais receberam o corpo de sua filhinha dentro de um pacote, das mãos do carteiro. Para a autora, esse é o jeito errado de lidar com a morte, essa impessoalidade é que é desrespeitosa.
O livro é repleto de casos marcantes também na vida pessoal da autora. Frustrações, anseios e falhas, está tudo aqui, e isso ajudou a conhecer melhor a garota que viveu todas aquelas coisas. O jeito com que Caitlin conta suas histórias é muito divertido, embora o meu cérebro tenha trabalhado com afinco para classificar tudo aquilo como mórbido. Com um instante, o leitor passa a conhecer a família da autora, seus avós, sua cidade natal e até mesmo o destino que a autora quer que deem ao seu corpo quando ela bater as botas. Fiquei honrado ao descobrir que os desejos de Caitlin para o seu defunto são os mesmos que os meus.
Em um mundo em que a sociedade afasta a morte, em que cientistas lutam para descobrir um jeito de adia-la ao máximo, Caitlin a abraça e fala sobre ela com muita sabedoria, além da enorme propriedade intelectual da autora, que deixa todas as suas referências de pesquisas para quem quiser ver.
Além do seu canal no youtube, Ask A Mortician, Caitlin é dona de sua própria agencia funerária e comanda um projeto chamado Order of the Good Death, que busca abrir a mente das pessoas a respeito da morte. É muito legal de se ver como o livro, o projeto, o seu canal no youtube e até a sua agencia funerária são coerentes com a opinião da autora, sempre em busca de uma transformação no jeito com que as pessoas tratam a morte
Confissões do Crematório, em toda a sua estranheza, é um ótimo livro. Os relatos engraçados e todas as curiosidades meio mórbidas à respeito da morte são um deleite para os leitores, para os curiosos e até mesmo para aqueles de coração mais dark, que estão atrás da pura esquisitice. O fato é que a autora levantou o seu ponto e, independente do leitor que você é, essa vai ser uma leitura que vai fazer você pensar em muito mais que gordura de defunto vazando de fornos crematórios, falecidos que precisam ser barbados, ou a pura decomposição.
Além do seu canal no youtube, Ask A Mortician, Caitlin é dona de sua própria agencia funerária e comanda um projeto chamado Order of the Good Death, que busca abrir a mente das pessoas a respeito da morte. É muito legal de se ver como o livro, o projeto, o seu canal no youtube e até a sua agencia funerária são coerentes com a opinião da autora, sempre em busca de uma transformação no jeito com que as pessoas tratam a morte
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